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sexta-feira, 30 de abril de 2010

A abelha...

Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Quero-te ao Pé de Mim



Quero-te ao pé de mim
linho dócil na pele
fruto doce na boca
lume aceso na mente
a aquecer no meu corpo
o desejo de amar.

Quero-te ao pé de mim
como se foras água
como se foras vinho
como se foras sangue
para dar a vida
que eu te quero dar.


Edgar Carneiro

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Soneto de Amor


Não me peças palavras,nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas um língua...,_unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois..._abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!


José Régio

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Poema da auto-estrada





Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta
Vai na brasa de lambreta.


António Gedeão

domingo, 18 de abril de 2010

Descalça vai para a fonte




Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de camelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.



Luís Vaz de Camões

sábado, 17 de abril de 2010

Lágrima de preta






Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.


Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterelizado.


Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.


Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.


Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:


Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.




António Gedeão

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dei-te...

For you forever.

Dei-te...
Dei-te as mãos transbordantes de carinho,
afagos ternos que minha alma traga...
E a minha boca transformei em taça
Onde acolho o perfume do teu vinho!

Dei-te o meu corpo como o sol se entrega
ao poente, no entardecer do dia...
E no bailado de insana alegria,
a euforia com o amor congrega...

Dei-te a alma e acolhi o teu cansaço,
e dos teus passos fiz minha estrada,
Para que não fosses mais assim, sózinho...

Dei-te os braços em tão perfeito ninho...
Mais que amante, tornei-me tua amada.
E fiz-me assim, para sempre o teu regaço!

Zélia Nicolodi

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Para ser grande, sê inteiro: nada



Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes,

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.



Fernando Pessoa

terça-feira, 13 de abril de 2010

Passamos pelas coisas sem as ver,






Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão apodrecidos.


Eugénio de Andrade