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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Soneto

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus versos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são, e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos!

Luís Vaz de Camões

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pergunta

Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?

Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mãos
para a derramar em afagos
por mim?

Quem ouviu a angústia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?

Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pão negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?

Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?
 
 
Fernando Namora

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O sal da língua

Escuta, escuta: tenho ainda

uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai

salvar o mundo, não mudará

a vida de ninguém - mas quem

é hoje capaz de salvar o mundo

ou apenas mudar o sentido

da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.

É coisa pouca, como a chuvinha

que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco

mais. Palavras que te quero confiar,

para que não se extinga o seu lume,

o seu lume breve.

Palavras que muito amei,

que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Soneto do amor total

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Pergunta

Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?

Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mãos
para a derramar em afagos
por mim?

Quem ouviu a angústia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?

Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pão negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?

Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?


Fernando Namora

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ilha

Deitada és uma ilha E raramente

surgem ilhas no mar tão alongadas

com tão prometedoras enseadas

um só bosque no meio florescente



promontórios a pique e de repente

na luz de duas gémeas madrugadas

o fulgor das colinas acordadas

o pasmo da planície adolescente



Deitada és uma ilha Que percorro

descobrindo-lhe as zonas mais sombrias

Mas nem sabes se grito por socorro



ou se te mostro só que me inebrias

Amiga amor amante amada eu morro

da vida que me dás todos os dias


David Mourão-Ferreira

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Quando eu nasci

Quando eu nasci,

ficou tudo como estava,

Nem homens cortaram veias,

nem o Sol escureceu,

nem houve Estrelas a mais...

Somente,

esquecida das dores,

a minha Mãe sorriu e agradeceu.


Quando eu nasci,

não houve nada de novo

senão eu.


As nuvens não se espantaram,

não enlouqueceu ninguém...


P'ra que o dia fosse enorme,

bastava

toda a ternura que olhava

nos olhos de minha Mãe...


José Régio

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Preencho o meu pôr do sol

Preencho o meu pôr do sol,

As minhas horas,

Os meus séculos

Com saudades de fim de tarde!

Vens sorrindo estrelas...

E anuncias luares de Janeiro...

Contemplo-te deste lado das horas tardias

E vejo-te no espelho da ausência.

Para lá do infinito da minha alma,

Construo a ponte que me leva a ti

E agarro a mão

Que me faz atravessar oceanos de carinho!

Na orla do meu caminho para ti,

Rompo a queratina do tempo

E a cartilagem da dor,

Toco-te a serenidade,

A tua linha de horizonte que desconheço

E encontro afagos,

Vontade de encher vazios,

Asas de ternuras

Entranhadas na ausência!

 
(autor não identificado)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Liberdade

Ser livre é querer ir e ter um rumo

e ir sem medo,

mesmo que sejam vãos os passos.

É pensar e logo

transformar o fumo

do pensamento em braços.

É não ter pão nem vinho,

só ver portas fechadas e pessoas hostis

e arrancar teimosamente do caminho

sonhos de sol

com fúrias de raiz.

É estar atado,amordaçado,em sangue,exausto

e,mesmo assim,

só de pensar gritar

gritar

e só de pensar ir

ir e chegar ao fim.


Armindo Rodrigues

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,

como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,

mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.

eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,

que eu amava quando imaginava que amava. era a tua

a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.

era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores

e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.

muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.


José Luís Peixoto

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Alma minha gentil, que te partiste - A um Amor Maior

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.


Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.


E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,


Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


Luís Vaz de Camões

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar

“À beira do vazio compreendeu o mais importante: que só voa quem se atreve a fazê-lo.”

Luís Sepúlveda

sábado, 14 de agosto de 2010

Lenda do Oriente


Conta uma popular lenda do Oriente, que um jovem chegou à beira de um oásis, junto a um povoado e, aproximando-se de um velho, perguntou-lhe:

-"Que tipo de pessoas vive neste lugar?"

Perguntou por sua vez o ancião:

-"Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?"

Respondeu-lhe o rapaz:

-"Oh! Um grupo de egoístas e malvados. Estou satisfeito de haver saído de lá."

A isso o velho replicou:

-"A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui."

No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe:

-"Que tipo de pessoas vive por aqui?"

O velho respondeu com a mesma pergunta:

-"Que tipo de pessoas vive no lugar de onde você vem?"

O rapaz respondeu:

-"Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las".

Respondeu o ancião:

-"O mesmo encontrará por aqui".

Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho:

-"Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta?"

E o velho respondeu:

-"Cada um carrega no seu coração o meio ambiente em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui."

"Somos todos viajantes no tempo e o futuro de cada um de nós está escrito no passado. Ou seja, cada um encontra na vida exatamente aquilo que traz dentro de si mesmo. O ambiente, o presente e o futuro somos nós que criamos e isso só depende de nós mesmos."

(Desconheço o Autor)
Viajantes no tempo
Fonte: Mensagens e Poemas

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Grande Esfinge do Egipto

A Grande Esfinge do Egito sonha por este papel dentro...
Escrevo — e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...
Escrevo — perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Quéops ...
De repente paro...
Escureceu tudo...

Caio por um abismo feito de tempo...

Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egito me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...

Ouço a Esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Quéops, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso...

Funerais do rei Quéops em ouro velho e Mim! ...

Fernando Pessoa

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sacode as nuvens

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,

Sacode as aves que te levam o olhar.

Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.



Porque eu cheguei e é tempo de me veres,

Mesmo que os meus gestos te trespassem

De solidão e tu caias em poeira,

Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras

E os teus olhos nunca mais possam olhar.
 
 
Sophia de Mello Breyner

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Balada de sempre

Espero

a tua vinda,

a tua vinda,

em dia de lua cheia.

debruço-me sobre a noite

inventando crescentes e luares.

Espero o momento da chegada

com o cansaço e o ardor de todas as chegadas.

Rasgarás nuvens, estradas,

abrindo clareiras

nas sebes e nas ciladas.

Saltarás por cima de mares,

de planícies e relevos

- ânsia alada

no meu desejo imaginada

Mas

enquanto deixo a janela aberta

para entrares

o mar aí além,

lambe-me os braços hirtos,

braços verdes

algas de sonho

- e desenha ironias na areia molhada.


Fernando Namora

sábado, 17 de julho de 2010

A Minha’Alma

A Minh’Alma, só, triste, deserdada,
É caravela d’Azinho ao mar afeita.
Tão segura que as vagas não respeita,
Nas marés d’Outono… levantadas.

De velas brancas - azul na proa ousada-
Aos credos sem Credo não sujeita,
Singra liberta, nobre e não perfeita,
Ao encontro da praia procurada.

Mas, no mar, em lides acometendo,
De flâmulas içadas… aos ventos caídos,
Mais de mil ocultas magos padecendo.

São os danos que ficam e vão vivendo,
Da saudade doce… amores perdidos,
Na manhã… de tarde louca… descendo.

Francisco Padeira

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cavalo à Solta


Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve, breve
instante da loucura


Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa


Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo


Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.


Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo


Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura


Ary dos Santos

domingo, 4 de julho de 2010

Conheço o Sal

Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.


Jorge de Sena

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia

E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto.


Ary dos Santos

terça-feira, 29 de junho de 2010

Desconfiança...

Que vale a vida afinal

quando chegamos a este ponto?

Deixou de ser romance:

é crónica banal

ou conto.


Vale a pena seguir?

Sem aquele entusiasmo

aquelas ânsias,

sem aquela força de querer,

só para continuar, e se repetir...

( mais pelo hábito da vida que pela alegria de viver?)


Vale a pena continuar?

Ou é melhor fugir? ( fugir ou parar

que são formas diferentes de morrer...)


Já de nada me espanto,

talvez seja tudo paradoxal

mas começo a desconfiar que está chegando esse momento

extraordinário,

em que devo me recolher para ouvir apenas o canto

de meu coração solitário...


J.G.de Araújo Jorge

sábado, 26 de junho de 2010

Da solidão

Inquieta chuva, inquieta me dispersa,

esquecida a tradição e o cansado som.


Dentro e fora de mim tudo é deserto

como se as ervas fossem arrancadas

ou se esgotasse a dor por que se chora.


Na grande solidão me basta, e a contemplo

para o sonho interior que me resolve!


Tão fácil é esperar, que já nem sinto

o que vem a dormir ou a morrer

na mesma angústia que

o silêncio envolve.
 
Maria Alberta Menéres

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Gostaria

Queria compartilhar contigo os momentos mais simples
e sem importância.
Por exemplo:
sair contigo para passear, sentir-te apoiada em meu braço,
ver-te feliz ao meu lado
alheia a todo mundo que passasse.

Gostaria de sair contigo para ouvir música, ir ao cinema,
tomar sorvete, sentar num restaurante
diante do mar,
olhar as coisas, olhar a vida, olhar o mundo
despreocupadamente,
e conversar sobre "nós" – esse "nós" clandestino
que se divide em "tu e eu"
quando chega gente.

Encontrar alguém que perguntasse: "Então, como vão vocês?"
E me chamasse pelo nome, e te chamasse pelo nome
e juntasse assim nossos nomes, naturalmente,
na mesma preocupação.

Gostaria de poder de repente te dizer:
Vamos voltar pra casa...
( Como se felicidade pudesse ser uma coisa
a que tivéssemos direito como toda gente)
Queria partilhar contigo os momentos menores
da minha vida,
porque os grandes já são teus.


JG de Araujo Jorge

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Intimidade

Que ninguém hoje me diga nada.

Que ninguém venha abrir a minha mágoa,

esta dor sem nome

que eu desconheço donde vem

e o que me diz.

É mágoa.

Talvez seja um começo de amor.

Talvez, de novo, a dor e a euforia de ter vindo ao

mundo.

Pode ser tudo isso, ou nada disso.

Mas não o afirmo.

As palavras viriam revelar-me tudo.

E eu prefiro esta angústia de não saber de quê.
 
 
Fernando Namora

sábado, 12 de junho de 2010

Ai, quem me dera terminasse a espera

Ai, quem me dera terminasse a espera

Retornasse o canto simples e sem fim

E ouvindo o canto se chorasse tanto

Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai, quem me dera ver morrer a fera

Ver nascer o anjo, ver brotar a flor.

Ai, quem me dera uma manhã feliz.

Ai, quem me dera uma estação de amor

Ah, se as pessoas se tornassem boas

E cantassem loas e tivessem paz

E pelas ruas se abraçassem nuas

E duas a duas fossem ser casais

Ai, quem me dera ao som de madrigais

Ver todo mundo para sempre afim

E a liberdade nunca ser demais

E não haver mais solidão ruim

Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais

Dizer que a vida vai ser sempre assim

E, finda a espera, ouvir na primavera

Alguém chamar por mim.


Vinícius de Morais

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sofia

Adiós Sofia

A la vuelta de una esquina,

esos ojos tuyos me miraron, riendo

y la ciudad se quedó quieta,

inmóvil como el salto de un atleta, quieta.

Dónde vas tu sola por la vida,

tan enloquecida como yo.

Nos conocimos, y nos hicimos tan amigos

que era imposible imaginarnos separados, tan íntimos

y nos comíamos el mundo juntos, aliados,

llegando al mismo punto.

Pero en el jardín de Adán y Eva

hay una manzana que es mortal.

Esas cosas con Sofía, esa risa es con Sofía,

se perdieron con Sofía, adiós Sofía.

El amor redondo es como un sueño,

pero nuestro sueño despertó.

Empecé a sentirte extraña,

alguna droga sucia te metías, seguro

y te cambió la piel del alma,

se te secó el amor en pocos días

que duro.

Si te encuentro ahora por la calle,

pasas como un viento que pasó.
 
 
Sergio Dalma

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Inês

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
Dos teus anos colhendo o doce fruto,
Naquele engano de alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito;
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas chorados transformaram:
O nome lhe puseram, que ainda dura,
"Dos amores de Inês ", que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome Amores!
 
  Luís Vaz de Camões

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…


Florbela Espanca

terça-feira, 1 de junho de 2010

Poemeto Erótico

Teu corpo claro e perfeito,

- Teu corpo de maravilha,

Quero possuí-lo no leito

Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...

Rosa...flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,

É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,

Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja

Como à tarde os horizontes

É puro como nas fontes

A água clara que serpeja,

Que em cantigas se derrama...

Volúpia de água e da chama...

A todo momento o vejo...

Teu corpo... a única ilha

No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,

Teu corpo é tudo o que cheira...

Rosa, flor de laranjeira...
 
 
Manuel Bandeira

sábado, 29 de maio de 2010

É assim que te quero, amor

É assim que te quero, amor,

assim, amor, é que eu gosto de ti,

tal como te vestes

e como arranjas

os cabelos e como

a tua boca sorri,

ágil como a água

da fonte sobre as pedras puras,

é assim que te quero, amada,

Ao pão não peço que me ensine,

mas antes que não me falte

em cada dia que passa.

Da luz nada sei, nem donde

vem nem para onde vai,

apenas quero que a luz alumie,

e também não peço à noite explicações,

espero-a e envolve-me,

e assim tu pão e luz

e sombra és.

Chegastes à minha vida

com o que trazias,

feita

de luz e pão e sombra, eu te esperava,

e é assim que preciso de ti,

assim que te amo,

e os que amanhã quiserem ouvir

o que não lhes direi, que o leiam aqui

e retrocedam hoje porque é cedo

para tais argumentos.

Amanhã dar-lhes-emos apenas

uma folha da árvore do nosso amor, uma folha

que há-de cair sobre a terra

como se a tivessem produzido os nosso lábios,

como um beijo caído

das nossas alturas invencíveis

para mostrar o fogo e a ternura

de um amor verdadeiro.


Pablo Neruda

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pérola solta

Sem que eu a esperasse,

Rolou aquela lágrima

No frio e na aridez da minha face.

Rolou devagarinho...,

Até à minha boca abriu caminho.

Sede! o que eu tenho é sede!

Recolhi-a nos lábios e bebi-a.

Como numa parede

Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou,

Na boca me cantou,

Breve como essa lágrima,

Esta breve elegia.

 
José Régio

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Se as minhas mãos pudessem desfolhar


Eu pronuncio teu nome

nas noites escuras,

quando vêm os astros

beber na lua

e dormem nas ramagens

das frondes ocultas.

E eu me sinto oco

de paixão e de música.

Louco relógio que canta

mortas horas antigas.



Eu pronuncio teu nome,

nesta noite escura,

e teu nome me soa

mais distante que nunca.

Mais distante que todas as estrelas

e mais dolente que a mansa chuva.



Amar-te-ei como então

alguma vez? Que culpa

tem meu coração?

Se a névoa se esfuma,

que outra paixão me espera?

Será tranqüila e pura?

Se meus dedos pudessem

desfolhar a lua!!


Frederico Garcia Lorca

terça-feira, 25 de maio de 2010

Gaivota

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.


Alexandre O´Neill

domingo, 23 de maio de 2010

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,

E que nele posso navegar sem rumo,

Não respondas

Às urgentes perguntas

Que te fiz.

Deixa-me ser feliz

Assim,

Já tão longe de ti como de mim.


Perde-se a vida a desejá-la tanto.

Só soubemos sofrer, enquanto

O nosso amor

Durou.

Mas o tempo passou,

Há calmaria...

Não perturbes a paz que me foi dada.

Ouvir de novo a tua voz seria

Matar a sede com água salgada.
 
 
Miguel Torga

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Além da Terra, Além do Céu


Além da Terra, além do Céu,

no trampolim do sem-fim das estrelas,

no rastro dos astros,

na magnólia das nebulosas.

Além, muito além do sistema solar,

até onde alcançam o pensamento e o coração,

vamos!

vamos conjugar

o verbo fundamental essencial,

o verbo transcendente, acima das gramáticas

e do medo e da moeda e da política,

o verbo sempreamar,

o verbo pluriamar,

razão de ser e de viver.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.


Vinícius de Morais

terça-feira, 18 de maio de 2010

Soneto da Fidelidade

De tudo, meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.
 
 
Vinícius de Morais

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A meu favor

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.


Alexandre O´Neill

domingo, 16 de maio de 2010

Senhora partem tam tristes...

Senhora, partem tam tristes

meus olhos por vós, meu bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.



Tam tristes, tam saudosos,

tam doentes da partida,

tam cansados, tam chorosos,

da morte mais desejosos

cem mil vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes,

tam fora d' esperar bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.



João Roiz Castell-Branco

terça-feira, 11 de maio de 2010

Poemas Inconjuntos

Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre vivo no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.


Alberto Caeiro

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A Terra


Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!


Miguel Torga

domingo, 9 de maio de 2010

Há Palavras que nos Beijam

Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.



Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.



De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas, inesperadas

Como a poesia ou o amor.



(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído,

No papel abandonado)



Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.


Alexandre O´Neill

sábado, 8 de maio de 2010

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


António Gedeão

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Enquanto o Sol Abrir

Enquanto o Sol abrir
e a flor desabrochar;
enquanto a aurora
for irmã do mar;
enquanto o fruto der
a cor ao sangue;
enquanto o vento é sal
e a praia é grande;
enquanto o véu subir
e só mostrar beleza;
enquanto tudo isto
for certeza;
enquanto tudo isto
acontecer,
então a noite olvide
o seu negrume
e o galo cante
gosto de viver.


Edgar Carneiro

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Ai Flores de Verde Pino




-Ai flores, ai flores do verde pino,

se sabedes novas do meu amigo!

Ai Deus, e u é?



Ai, flores, ai flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado!

Ai Deus, e u é?



Se sabedes novas do meu amigo,

aquel que mentiu do que pos comigo!

Ai Deus, e u é?



Se sabedes novas do meu amado

aquel que mentiu do que mi ha jurado!

Ai Deus, e u é?



-Vós me preguntades polo voss'amigo,

e eu ben vos digo que é san'e vivo.

Ai Deus, e u é?



Vós me preguntades polo voss'amado,

e eu ben vos digo que é viv'e sano.

Ai Deus, e u é?



E eu ben vos digo que é san'e vivo

e seerá vosc'ant'o prazo saído.

Ai Deus, e u é?



E eu ben vos digo que é viv'e sano

e seerá vosc'ant'o prazo passado.

Ai Deus, e u é?


El-Rei Dom Dinis

domingo, 2 de maio de 2010

Palavras para a Minha Mãe












mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses


as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.

sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.



pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste

tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te

desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.



às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,

a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia

mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.



lê isto: mãe, amo-te.



eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não

escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que

não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não

as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.



José Luís Peixoto

sexta-feira, 30 de abril de 2010

A abelha...

Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Quero-te ao Pé de Mim



Quero-te ao pé de mim
linho dócil na pele
fruto doce na boca
lume aceso na mente
a aquecer no meu corpo
o desejo de amar.

Quero-te ao pé de mim
como se foras água
como se foras vinho
como se foras sangue
para dar a vida
que eu te quero dar.


Edgar Carneiro

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Soneto de Amor


Não me peças palavras,nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas um língua...,_unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois..._abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!


José Régio

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Poema da auto-estrada





Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta
Vai na brasa de lambreta.


António Gedeão