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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia

E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto.


Ary dos Santos

terça-feira, 29 de junho de 2010

Desconfiança...

Que vale a vida afinal

quando chegamos a este ponto?

Deixou de ser romance:

é crónica banal

ou conto.


Vale a pena seguir?

Sem aquele entusiasmo

aquelas ânsias,

sem aquela força de querer,

só para continuar, e se repetir...

( mais pelo hábito da vida que pela alegria de viver?)


Vale a pena continuar?

Ou é melhor fugir? ( fugir ou parar

que são formas diferentes de morrer...)


Já de nada me espanto,

talvez seja tudo paradoxal

mas começo a desconfiar que está chegando esse momento

extraordinário,

em que devo me recolher para ouvir apenas o canto

de meu coração solitário...


J.G.de Araújo Jorge

sábado, 26 de junho de 2010

Da solidão

Inquieta chuva, inquieta me dispersa,

esquecida a tradição e o cansado som.


Dentro e fora de mim tudo é deserto

como se as ervas fossem arrancadas

ou se esgotasse a dor por que se chora.


Na grande solidão me basta, e a contemplo

para o sonho interior que me resolve!


Tão fácil é esperar, que já nem sinto

o que vem a dormir ou a morrer

na mesma angústia que

o silêncio envolve.
 
Maria Alberta Menéres

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Gostaria

Queria compartilhar contigo os momentos mais simples
e sem importância.
Por exemplo:
sair contigo para passear, sentir-te apoiada em meu braço,
ver-te feliz ao meu lado
alheia a todo mundo que passasse.

Gostaria de sair contigo para ouvir música, ir ao cinema,
tomar sorvete, sentar num restaurante
diante do mar,
olhar as coisas, olhar a vida, olhar o mundo
despreocupadamente,
e conversar sobre "nós" – esse "nós" clandestino
que se divide em "tu e eu"
quando chega gente.

Encontrar alguém que perguntasse: "Então, como vão vocês?"
E me chamasse pelo nome, e te chamasse pelo nome
e juntasse assim nossos nomes, naturalmente,
na mesma preocupação.

Gostaria de poder de repente te dizer:
Vamos voltar pra casa...
( Como se felicidade pudesse ser uma coisa
a que tivéssemos direito como toda gente)
Queria partilhar contigo os momentos menores
da minha vida,
porque os grandes já são teus.


JG de Araujo Jorge

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Intimidade

Que ninguém hoje me diga nada.

Que ninguém venha abrir a minha mágoa,

esta dor sem nome

que eu desconheço donde vem

e o que me diz.

É mágoa.

Talvez seja um começo de amor.

Talvez, de novo, a dor e a euforia de ter vindo ao

mundo.

Pode ser tudo isso, ou nada disso.

Mas não o afirmo.

As palavras viriam revelar-me tudo.

E eu prefiro esta angústia de não saber de quê.
 
 
Fernando Namora

sábado, 12 de junho de 2010

Ai, quem me dera terminasse a espera

Ai, quem me dera terminasse a espera

Retornasse o canto simples e sem fim

E ouvindo o canto se chorasse tanto

Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai, quem me dera ver morrer a fera

Ver nascer o anjo, ver brotar a flor.

Ai, quem me dera uma manhã feliz.

Ai, quem me dera uma estação de amor

Ah, se as pessoas se tornassem boas

E cantassem loas e tivessem paz

E pelas ruas se abraçassem nuas

E duas a duas fossem ser casais

Ai, quem me dera ao som de madrigais

Ver todo mundo para sempre afim

E a liberdade nunca ser demais

E não haver mais solidão ruim

Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais

Dizer que a vida vai ser sempre assim

E, finda a espera, ouvir na primavera

Alguém chamar por mim.


Vinícius de Morais

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sofia

Adiós Sofia

A la vuelta de una esquina,

esos ojos tuyos me miraron, riendo

y la ciudad se quedó quieta,

inmóvil como el salto de un atleta, quieta.

Dónde vas tu sola por la vida,

tan enloquecida como yo.

Nos conocimos, y nos hicimos tan amigos

que era imposible imaginarnos separados, tan íntimos

y nos comíamos el mundo juntos, aliados,

llegando al mismo punto.

Pero en el jardín de Adán y Eva

hay una manzana que es mortal.

Esas cosas con Sofía, esa risa es con Sofía,

se perdieron con Sofía, adiós Sofía.

El amor redondo es como un sueño,

pero nuestro sueño despertó.

Empecé a sentirte extraña,

alguna droga sucia te metías, seguro

y te cambió la piel del alma,

se te secó el amor en pocos días

que duro.

Si te encuentro ahora por la calle,

pasas como un viento que pasó.
 
 
Sergio Dalma

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Inês

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
Dos teus anos colhendo o doce fruto,
Naquele engano de alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito;
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas chorados transformaram:
O nome lhe puseram, que ainda dura,
"Dos amores de Inês ", que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome Amores!
 
  Luís Vaz de Camões

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…


Florbela Espanca

terça-feira, 1 de junho de 2010

Poemeto Erótico

Teu corpo claro e perfeito,

- Teu corpo de maravilha,

Quero possuí-lo no leito

Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...

Rosa...flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,

É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,

Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja

Como à tarde os horizontes

É puro como nas fontes

A água clara que serpeja,

Que em cantigas se derrama...

Volúpia de água e da chama...

A todo momento o vejo...

Teu corpo... a única ilha

No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,

Teu corpo é tudo o que cheira...

Rosa, flor de laranjeira...
 
 
Manuel Bandeira